por Diácono Georges Bonneval

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“Vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo (…). Vai, pois, e eu te enviarei…” (Ex 3, 7-8.10)

Escutamos o grito dos pobres a partir da oração

Nosso amigo, o Pe. Daniel-Ange viveu como eremita durante muitos anos em Ruanda, à beira do Lago Kivu. Foi a partir de longas horas de adoração diante do Santíssimo Sacramento, que ele escutou o clamor e o chamado dos jovens do seu país – a França – que lhe pediam ajuda. Foi a partir dessa experiência que voltou e fundou, pouco tempo depois, a primeira Escola de Evangelização na Europa, destinada aos jovens: Juventude-Luz.

Não foi isso que aconteceu ao Apóstolo Paulo, no momento quando, justamente, o Espírito de Deus não lhe permitiu ir pregar na Ásia, segundo o programa que ele tinha previsto: “Durante a noite, sobreveio a Paulo uma visão. Um macedônio, de pé diante dele, fazia-lhe este pedido: Vem para a Macedônia, e ajuda-nos! Logo após a visão, procuramos partir para a Macedônia, persuadidos de que Deus nos chamava para anunciar-lhes a Boa Nova.” (At 16, 9-10)

Os pobres nos surpreendem sempre e nos incomodam também muitas vezes! “Pois sempre tereis pobres convosco” (Jo 12, 8).

Nesses momentos de contratempos inoportunos, como reagimos? Reconhecemos o próprio Senhor, o pobre por excelência? Ou fazemos ouvidos moucos, desviando nosso olhar? Lembro-me dessa religiosa dominicana idosa que, cada dia, saía em Roma para viver sua missão. Cada manhã, ela planejava levar algumas moedas para dar aos mendigos que encontraria no seu caminho. E, em Roma, eles são numerosos! Ela tinha programado e organizado seus pequenos gestos básicos de caridade cotidiana. Perguntemo-nos também: “qual é nosso programa de caridade evangélica deste dia?”

Além disso, como batizados, não somos nós os instrumentos que Deus escolheu, para encontrar o pobre no caminho e escutá-lo? E se, voluntariamente, recusamos, não nos arriscamos a nos colocar fora da vontade do Pai e do Seu projeto? “Não endurecerás teu coração, nem fecharás a mão para com este teu irmão pobre; pelo contrário: abre-lhe a mão, emprestando o que lhe falta” (Dt 15, 7-8).

Porque o grito desse pobre tem direito diante de Deus e se tu vens desprezá-lo: “Ele clamaria ao Senhor contra ti, e em ti haveria um pecado” (Dt 15, 9).

Muitas vezes, somos de tal maneira prisioneiros de uma cultura que nos incita a nos ocuparmos somente conosco mesmos e, assim, torna-nos indiferentes aos outros e teremos dificuldade de imaginar um gesto, uma palavra, uma atenção de benevolência.

Por vezes, diz o Papa Francisco, “trata-se de ouvir o clamor de povos inteiros, dos povos mais pobres da terra, porque ‘a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas também no respeito pelo direito dos povos’” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 190).

O ano passado, vimos como o Senhor provocou a nossa Comunidade, nos mostrando – através dos nossos Pastores, um Bispo do Rio de Janeiro – a situação de uma população carcerária de mais de 40 mil presos, em Bangu, que constitui por si mesmo, um grande bairro da grande cidade do Rio. Não se tratava somente de uma pessoa ou de uma família a ajudar, mas de uma cidade na cidade, a do povo dos detidos. Foi assim que os irmãos começaram a trabalhar para restaurar uma casa da Diocese e uma fraternidade missionária se constituiu para aí viver e trabalhar, há mais de um ano.

É preciso repetir, diz o Papa Francisco, que “os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos seus direitos, para poderem colocar, com mais liberalidade, os seus bens ao serviço dos outros” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 190).

Escutemos o grito dos pobres com um coração de compaixão

“Este pobre gritou e o Senhor ouviu.” (Sl 33, 7)

“Este imperativo de ouvir o clamor dos pobres faz-se carne em nós, quando no mais íntimo de nós mesmos nos comovemos à vista do sofrimento alheio.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 193)

Nenhum pobre deveria acreditar que o seu grito se perdeu no vazio. Mas isso exige que observemos bem, à nossa volta, sem ter que ir muito longe; e, rapidamente, encontramos tal pessoa isolada, uma outra hospitalizada depois de vários meses e sem visitas, uma outra preocupada com seu filho que se droga,… etc.

“Quando S. Paulo foi ter com os Apóstolos a Jerusalém para discernir ‘se estava a correr ou tinha corrido em vão’ (Gl 2, 2), o critério- -chave de autenticidade que lhe indicaram foi que não se esquecesse dos pobres (Cf. Gl 2, 10).” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 195)

Verifiquemos se a graça da compaixão está viva em nossos corações. E em favor de quem, concretamente. Este critério é importante e não nos deixará inativos nem passivos. Especialmente para com aqueles que são considerados como os últimos e que a sociedade rejeita e põe de lado. Somos chamados a um sério exame de consciência para verificar se somos realmente capazes de escutar os pobres. Para reconhecer a sua voz, temos necessidade do silêncio da escuta.

“Desejo uma Igreja pobre para os pobres. Estes têm muito para nos ensinar. Além de participar do ‘sensus fidei’, nas suas próprias dores conhecem Cristo sofredor. É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles. A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no centro do caminho da Igreja. Somos chamados a descobrir Cristo neles.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 198)

O Papa Francisco instituiu a “Jornada mundial dos pobres” no final do Jubileu da misericórdia, na sua Carta Apostólica “Misericordia et misera” (§21). Esta jornada terá lugar, neste ano, no próximo domingo, dia 17 do mês de novembro.

“À luz do ‘Jubileu das Pessoas Excluídas Socialmente’, celebrado quando já se iam fechando as Portas da Misericórdia em todas as catedrais e santuários do mundo, intuí que, como mais um sinal concreto deste Ano Santo extraordinário, se deve celebrar em toda a Igreja, na ocorrência do XXXIII Domingo do Tempo Comum, o Dia Mundial dos Pobres.”

O Papa explicou o sentido desta celebração em relação com o ciclo litúrgico e com os mistérios de Cristo: “Será a mais digna preparação para bem viver a solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, que Se identificou com os mais pequenos e os pobres e nos há de julgar sobre as obras de misericórdia (Cf. Mt 25, 31-46)”.

Ele explica também os objetivos desta Jornada dos pobres, para as comunidades católicas: “Será um Dia que vai ajudar as comunidades e cada batizado a refletir como a pobreza está no âmago do Evangelho
e tomar consciência de que não poderá haver justiça nem paz social enquanto Lázaro jazer à porta da nossa casa (Cf. Lc 16, 19-21)”.

Para o Papa, trata-se também da nova evangelização: “Além disso este Dia constituirá uma forma genuína de Nova Evangelização (Cf. Mt 11, 5), procurando renovar o rosto da Igreja na sua perene ação de conversão pastoral para ser testemunha da misericórdia”.

Finalmente, são os pobres, muitas vezes, que nos evangelizam

Eles são, muitas vezes, os verdadeiros agentes de evangelização, como o declara o Papa Francisco: “Os pobres evangelizam-nos, ajudando-nos a descobrir cada dia a beleza do Evangelho” (Roma, 13 de junho de 2018).

Assim, no seu tweet de 14 de junho de 2018: “Ninguém é tão pobre que não possa dar o que tem, mas antes ainda aquilo que é”.

Os verdadeiros atores da missão são, finalmente, o Senhor e os pobres. E aquele que se põe a seu serviço é o instrumento nas mãos de Deus para fazer reconhecer Sua presença e Sua salvação.

Quantas vezes o missionário é surpreendido e interpelado pela beleza e a nobreza de alma dos “verdadeiros pobres”, quer dizer, daqueles que vivem realmente uma verdadeira pobreza. Aqueles cujo coração está contrito pela tristeza, a solidão, a doença ou a exclusão, mas que têm, no entanto, a força de levantar seu olhar para o alto para receber luz e reconforto, considerando Deus como seu Salvador. Mas o pobre tem necessidade de perceber a presença de irmãos e irmãs que deem atenção, que abram a porta do seu coração e da sua vida.

Os discípulos do Senhor devem estar convencidos de estar realmente na presença de Jesus. “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 40).

Muitas vezes pensamos: “Para que serve? O que eu poderia fazer seria só uma gota de água no oceano pobreza”; e isso nos convence para continuar a ficar indiferente e passivo.

Um certo estado de espírito mundano honra aqueles que têm o poder e a riqueza e marginaliza os pobres, considerando-os como lixo que causam vergonha.

Muitas vezes, os pobres põem em causa nossa indiferença, fruto de uma visão de vida muito imanente e ligada ao presente. Sublinhemos ainda o que declara muitas vezes Jean Vanier, a partir da sua experiência junto das pessoas com uma deficiência mental: “A pobreza que nos assusta nos outros só revela nossa própria pobreza”.

Elogio do espírito de pobreza

No Antigo Testamento, um conceito bíblico notável é o de “anawa”, que percorre toda a Bíblia e temos dificuldade em traduzir nas versões em língua vernácula. Portanto, esse conceito é fundamental para compreender o ensino de Cristo, cujo ponto culminante é o sermão da montanha.

Anawa é a condição de um homem que é, ao mesmo tempo, pobre espiritualmente, manso, humilde de coração, paciente na provação e aflito. Encontramos aí cinco das bem-aventuranças de Mateus: os pobres em espírito, os humildes, os mansos, aqueles que choram e os que sofrem perseguição por causa da justiça.

A literatura pós-exílica destacou esses pobres do Senhor: os anawim, os fiéis à Lei de Deus, vivendo voluntariamente de maneira muito pobre, abstendo-se de bebidas fermentadas, praticando a ascese, fugindo das honras e dos elogios humanos. Constitui um pequeno resto entre o povo, fiel ao Deus das promessas. O servo sofredor descrito por Isaías representa este mesmo tipo de anaw (Cf. Is 53 2-10). Esse servo sofredor anunciado pelos profetas, é Cristo que declarou: “Aprendei de mim, porque Sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 28). É Ele o verdadeiro pobre, o anaw que devemos imitar.

E, para nós que somos seus discípulos, não podemos nunca esquecer que é somente pela graça da misericórdia na efusão do Espírito Santo que nos tornaremos misericordiosos. Porque o pobre de coração sabe que nada nele corresponde à justiça divina, e é por isso que, sem nenhum mérito, ele pode tornar-se manso e misericordioso para com os outros.

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