por Diácono Georges Bonneval
É incontestável que a mulher tem um papel muito particular na história da missão da Igreja. Para entrar neste assunto, sublinhemos o quanto Cristo deu à mulher a honra e a beleza da sua dignidade. Espero que, no final desta meditação, nós tenhamos o desejo de entoar o Magnificat de ação de graças pelo ser feminino!
Para bem compreender a revolução trazida pelo cristianismo, é preciso pesquisar sobre outras atitudes praticadas em relação às mulheres no mesmo período; elas não têm praticamente nenhuma vida pública, permanecem em casa, saem pouco, não contam na vida social, etc. Um exemplo eloquente que os Evangelhos revelam, por ocasião da multiplicação dos pães:
“Os que comeram eram cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.” (Mt 14, 21)
Cristo trouxe uma revolução sem precedentes à condição feminina da sua época
No seu tempo, e ainda hoje, em algumas culturas e mentalidades, o olhar colocado sobre a mulher não permanece ainda no Antigo Testamento? Um certo estereótipo de desprezo se esconde ainda atrás de certos olhares ou ironias; e, sobretudo, quando a mulher é utilizada e instrumentalizada, quer seja no seu corpo, sua feminilidade, sua sexualidade, ou sua fragilidade.
É preciso reconhecer que as mulheres, na vida de Cristo, foram um modelo de benevolência. No seu tempo, na realidade, seus inimigos são homens e a ordem dos fariseus é unicamente masculina. Só Herodíades, a amante de Herodes e a sua filha (Cf. Mt 14, 3-12); assim como a serva que interpela Pedro (Cf. Mt 26, 69), são as exceções. Por que deveríamos, então, ceder a esta tendência, muitas vezes divulgada, da suspeita e desconfiança em relação às mulheres?
France Quéré, uma teóloga protestante, declara com humor: “Sobre Eva, instigadora do pecado, longos discursos. Sobre o homem que matou Jesus, nem uma palavra… Matar um Deus, é ainda pior do que lhe roubar as suas maçãs!” (France Quéré, As Mulheres do Evangelho, Ed. du seuil).
Uma certa mentalidade continuou de geração em geração, a espalhar ao longo da história, um olhar muitas vezes um pouco depreciativo sobre o mistério da mulher. Reconheçamos que existe uma solidão e insegurança profunda na mulher, precisamente porque ela não sabe mais quem ela é; damos-lhe uma imagem falsa dela mesma e sua tentação é de buscar fora de si sua identidade-feminilidade-dignidade, seu lugar original na sociedade. Ela será profundamente mulher na sua personalidade e sua vocação, não numa masculinidade emprestada, nem fugindo ou se revoltando para se libertar da dominação masculina, mas na sua feminilidade rica de graças, de beleza e de dons.
O homem, por sua vez, não consegue descobrir plenamente sua personalidade e sua vocação, senão encontrando a mulher face a face, como alguém além dele e de sua masculinidade. Ela pode ajudá-lo, revelá-lo e completá-lo segundo o projeto de Deus, que lhe apresenta a mulher, não como uma rival ou uma ameaça, mas como “uma auxiliar que lhe corresponda” (Gn 2, 18).
Nossa sociedade está doente das oposições e das divisões e aquela que tem mais consequências, não é a oposição que se introduziu entre o homem e a mulher?
Diante do Senhor, a mulher não existe sem o homem e o homem não existe sem a mulher. Pois, se a mulher foi tirada do homem, o homem nasce pela mulher e tudo vem de Deus (Cf. 1Cor 11, 11-12).
A mulher, dinâmica vocacional do dom e da humildade
Na Escritura – assim como na vida -, permanece um mistério de eleição que repousa sobre a mulher: não é ela, na verdade, a “primeira”? Primeira como vítima, mas também, primeira como testemunha; primeira como sacrifício, mas, também, primeira na oferenda do coração. Nos conflitos, ela é muitas vezes, a primeira a estar mais inclinada à reconciliação. Pela sua predisposição natural para o dom de si mesma no amor, a mulher é chamada a ser lembrança incessante da nossa vocação como resposta ao amor de Deus.
“A mulher não pode se encontrar a si mesma senão doando amor aos outros.” (S. João Paulo II, Mulieris Dignitatem, n° 30)
Neste sentido, a Virgem Maria permanece para todos os tempos, o modelo e o ícone da realização mais perfeita de toda vocação. É por isso que compreendemos esta precisão dada no Catecismo (n° 773): “a dimensão marial da Igreja precede sua dimensão petrina”.
Na tradição judaica, o único ato litúrgico que é pedido à mulher, é de acender as lamparinas do Shabbat para a celebração da liturgia familiar. É ela quem traz a luz quando a escuridão da noite cai… E sempre esperamos que elas sejam aquelas lâmpadas que iluminam na noite do mundo, e que nos fazem retomar a coragem. (Cf. Jo Croissant, A mulher sacerdotal, Ed. Beatitudes, p. 173).
“Como o sol levantando-se sobre as montanhas do Senhor, assim é o encanto da mulher na sua casa bem arrumada.” (Eclo 26, 16)
A mulher tem na Igreja, na sociedade, assim como no anúncio do Evangelho, um papel preponderante a desempenhar. As mulheres participam com os homens na missão profética de Cristo, e também na sua missão sacerdotal e real. O sacerdócio universal dos fiéis e a dignidade real são dadas aos homens assim como às mulheres (Cf. 1Pd 2, 9).
Entre as numerosas mulheres do Evangelho, alguns exemplos de papéis femininos importantes na missão do Cristo
– A Samaritana, com o seu diálogo com Cristo junto ao poço de Jacó em Sicar (Cf. Jo 4, 1-42):
É a ela, uma pecadora da Samaria – excluída pelos judeus – que Jesus revela a realidade profunda do verdadeiro culto prestado a Deus, anunciando que o lugar é menos importante do que a atitude de adoração “em espírito e verdade” (Jo 4, 24).
– As irmãs de Lázaro, Maria e Marta de Betânia:Lucas, no seu Evangelho, destaca, a propósito de Maria “a contemplativa”, a primazia reconhecida por Cristo da contemplação sobre a ação (Cf. Lc 10, 42). Depois, no Evangelho de João é à Marta, a mais “ativa”, que Jesus revelará o mistério de sua missão: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim jamais morrerá” (Jo 11, 25-26). O mistério pascal está contido nestas palavras dirigidas a uma mulher.
Nos relatos da Paixão, foram as mulheres que estiveram mais próximas de Cristo sobre o caminho da Cruz e na hora da morte.
– Verônica:
É verdade que Simão de Cirene foi obrigado a carregar a Cruz do Senhor (Cf. Mt 27, 32), mas várias mulheres testemunham a sua compaixão ao longo da “via crucis” (Cf. Lc 23, 27). A figura de Verônica, mesmo não sendo bíblica, exprime bem os sentimentos das mulheres de Jerusalém.
Junto à Cruz, um só apóstolo, João, filho de Zebedeu, enquanto qu
e estão presentes várias mulheres com a Mãe do Senhor (Cf. Mt 27, 55-56): Salomé, a mãe dos filhos de Zebedeu, Tiago e João; Maria, mãe de Tiago, o Menor, e de José; e Maria de Magdala. Elas foram testemunhas da agonia de Jesus, todas presentes no momento da Unção e da sepultura do seu corpo no túmulo. Depois do sepultamento, elas são as primeiras a voltar ao túmulo, na madrugada do dia seguinte. São elas as primeiras testemunhas do túmulo vazio, e são as primeiras que irão informar os Apóstolos (Cf. Jo 20,1-2).
– Maria Madalena:
Em lágrimas junto do túmulo, é a primeira a encontrar o Ressuscitado, que a envia aos Apóstolos; ela é a primeira a anunciar Sua Ressurreição (Cf. Jo 20, 11-18). É assim que a tradição oriental coloca Madalena quase no lugar dos Apóstolos, pois ela foi a primeira a anunciar a verdade da ressurreição, antes de ser seguida pelos Apóstolos e pelos discípulos de Cristo.
A mulher no magistério do Papa S. João Paulo II
S. João Paulo II, na sua Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, apresenta a sua reflexão, no seguimento do Concílio Vaticano II (na Constituição Pastoral Gaudium et Spes e no Decreto sobre o Apostolado dos leigos “Apostolicam Actuositatem”), e esclarece:
“A dignidade da mulher e a sua vocação têm assumido, em anos recentes, um relevo todo especial. Isso é demonstrado, entre outras coisas, pelas intervenções do Magistério da Igreja, refletidas nos vários documentos do Concílio Vaticano II, que afirma em sua Mensagem final: ‘Mas a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em plenitude, a hora em que a mulher adquire no mundo uma influência, um alcance, um poder jamais alcançados até agora. Por isso, no momento em que a humanidade conhece uma mudança tão profunda, as mulheres iluminadas do espírito do Evangelho tanto podem ajudar para que a humanidade não decaia’.” (S. João Paulo II, Mulieris Dignitatem, n° 1)
A mulher no magistério da Papa Francisco
Para o Papa Francisco – e ele já o destacou em várias ocasiões – ainda falta “uma teologia profunda da mulher” que não seja uma instrumentalização da mulher, mas uma reflexão a partir do papel de Maria no meio dos Apóstolos. Talvez vejamos em breve, o Papa convocar um próximo Sínodo dos bispos sobre a graça e o papel da mulher na Igreja e na Sociedade.
Enquanto isso, mulher, torna-te aquilo que és, na graça única, bela e fecunda que tu recebeste do teu Criador e Senhor!
“A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens. Por exemplo, a especial solicitude feminina pelos outros, que se exprime de modo particular, mas não exclusivamente, na maternidade. Vejo, com prazer, como muitas mulheres partilham responsabilidades pastorais juntamente com os sacerdotes, contribuem para o acompanhamento de pessoas, famílias ou grupos e prestam novas contribuições para a reflexão teológica. Mas ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Porque ‘o gênio feminino é necessário em todas as expressões da vida social; por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no âmbito do trabalho’ e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais.” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n° 103)