Quem nunca ouviu uma bela sinfonia, não sabe o que perde! Uma sinfonia de Mozart, Bethoveen ou Bach, não só preenche a alma, como traduz de forma admirável, os anseios, sussurros, suspiros, êxtases, júbilos e lágrimas, os prantos e clamores, as angústias e consolações das nossas almas em tantas estações, (traduzidas em colcheias e semi-colcheitas, em árias, compassos e modos), fazendo emergir tantas etapas e áreas de nossa existência!
A palavra sinfonia do grego συμϕωνία “acorde de sons”, complemento de σύν “com, junto” e ϕωνή “som”, traduz uma composição harmônica de sons e vozes, com uma alternância de silêncios e de sons, dos mais suaves e ternos, aos mais fortes, estridentes e contundentes, traduzindo bem os vários movimentos de um diálogo a múltiplas vozes… Múltiplas vozes que simbolizam as vozes das nações, dos povos, das famílias… mas também das almas, onde tantas vozes distintas se misturam e anseiam por serem ouvidas. Sendo assim, a Sinfonia da Oração é uma belíssima imagem de duas almas que dialogam: a nossa e a de Deus, Verbo feito carne! A Sinfonia de Oração, é por isso um convite inigualável ao encontro diário com o Esposo de nossa alma, com Nosso Senhor e Deus, e com Ele só! Pois Só Deus tem as Palavras de Vida Eterna capazes de saciar a sede das nossas almas!
O Homem moderno, imerso em tantos sons, ruídos, palavreados e mídias, sente uma enorme sede existencial de ser ouvido, profundamente compreendido, traduzido, para si mesmo e para os outros… Contudo, isso só Deus pode dar-Lhe como qualidade que pacifica, que dá sentido, consolo, cura e libertação, vida e alegria, paz e plenitude. Por isso, ou o Homem moderno cai de joelhos… e ora! Ou será um eterno insatisfeito… um eterno sedento e medicante de palavras que não têm o poder de salvar nem de comunicar a vida nem a Vida Eterna! Como o Salmista nos ensina, a experiência de oração é o grito mais profundo da alma, das suas profundezas, que se lança em Deus, na confiança total, mesmo nos momentos mais sombrios e desesperadores, nos sábados santos das nossas vidas, nas descidas aos nossos infernos existenciais:
“Das profundezas clamo a Ti, Senhor: Senhor, ouve o meu grito! Que Teus ouvidos estejam atentos ao meu pedido por graça! Se fazes conta das culpas, Senhor, Meu Deus, quem poderá se manter? Mas contigo está o perdão, para que sejas temido. Eu espero, Senhor, e minha alma espera, confiando na Tua Palavra; minha alma aguarda o Senhor mais que os guardas pela aurora. Mais que os guardas pela aurora aguarde Israel no Senhor, pois com o Senhor está o Amor, e Redenção em abundância: Ele vai resgatar Israel de suas iniquidades todas.”
(Sl 130 (129), 1-8)
De Profundis: o combate da escuta!
Neste diálogo, a alma mergulha , De profundis, pois o caminho da oração é para os profundos e corajosos, capazes de desbravar e adentrar no mais íntimo do seu ser. De profundis, nas profundezas existenciais, é bem aí que se trava o combate da escuta: pois não existe somente a Voz de Deus e a nossa, mas tantas outras vozes e gritos da mundanidade e do próprio Maligno. Vozes de rebelião, raiva e ódios, rancores e mágoas tão antigas, choros secretos e dores escondidas e tantas vezes somatizadas… mas, na maior parte das vezes, vozes de demônios bem educados, sorrateiros, que insidiosamente semeiam em cada um, o espírito da mundanidade que visa roubar em nós o Coração de Criança, a Pequenez, a Pureza, a Presunção da Inocência do outro, o Divino, o Eterno, em suma, o Próprio Deus! Escutemos o Santo Padre, na sua profunda sabedoria e carisma em ler os meandros das almas:
“Na oração, vem-me à mente isto: que Deus nos pede para irmos a fundo na luta contra a mundanidade espiritual. O Padre Henri de Lubac, em algumas páginas de um texto que vos convido a ler, definia a mundanidade espiritual como ‘o maior perigo para a Igreja – para nós, que somos Igreja -, a tentação mais pérfida, aquela que ressurge sempre, insidiosamente, quando as outras foram vencidas’. E acrescenta palavras que me parecem certeiras: ‘Se esta mundanidade espiritual invadisse a Igreja e trabalhasse para a corromper, minando o seu próprio princípio, seria infinitamente mais funesta do que qualquer mundanidade simplesmente moral’.
São coisas que já mencionei noutras ocasiões, mas gostaria de as reiterar, considerando-as prioritárias: a mundanidade espiritual, de fato, é perigosa porque é um modo de vida que reduz a espiritualidade às aparências: leva-nos a ser ‘comerciantes do espírito’, homens revestidos de formas sagradas que, na realidade, continuam a pensar e a agir segundo as modas do mundo. Isto acontece quando nos deixamos fascinar pelas seduções do efêmero, pela mediocridade e pelo hábito, pelas tentações do poder e da influência social. E, ainda, pela vanglória e pelo narcisismo, pela intransigência doutrinal e pelo esteticismo litúrgico, formas e maneiras pelas quais o mundanismo ‘se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até de amor à Igreja’, mas na realidade ‘consiste em procurar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal’. Como não reconhecer em tudo isto a versão atualizada daquele formalismo hipócrita, que Jesus via em certas autoridades religiosas da época e que, no decurso da Sua vida pública, o fez sofrer talvez mais do que qualquer outra coisa?
O mundanismo espiritual é uma tentação ‘suave’ e, por isso, ainda mais insidiosa. De fato, ele sabe esconder-se bem por detrás das boas aparências, mesmo dentro de motivos ‘religiosos’. E, mesmo que a reconheçamos e a afastemos de nós, mais cedo ou mais tarde ela reaparece disfarçada de outra forma. Como diz Jesus no Evangelho: ‘Quando o espírito imundo sai de um homem, este vagueia por lugares desertos à procura de alívio e, não o encontrando, diz: ‘Vou voltar para a minha casa, de onde saí’. Quando chega, encontra-a varrida e adornada. Então ele vai, pega sete outros espíritos piores do que ele, entra nela e fixa residência. E a última condição desse homem torna-se pior do que a primeira’ (Lc 11,24-26).
Precisamos de vigilância interior, de guardar a nossa mente e o nosso coração, de alimentar o fogo purificador do Espírito em nós, porque as tentações mundanas voltam e ‘batem à porta’ de forma educada’, são os ‘demônios educados’: entram educadamente, sem que eu dê por isso’.” (Papa Francisco, Carta aos Sacerdotes de Roma, 5 de agosto de 2023, Lisboa)
Escuta, Minha Querida Filha!
“A novidade da revelação bíblica consiste no fato de Deus Se dar a conhecer no diálogo, que deseja ter conosco.(…) Por isso o Verbo, que desde o princípio está junto de Deus e é Deus, revela-nos o próprio Deus no diálogo de amor entre as Pessoas divinas e convida-nos a participar nele. Portanto, feitos à imagem e semelhança de Deus amor, só nos podemos compreender a nós mesmos no acolhimento do Verbo e na docilidade à obra do Espírito Santo. É à luz da revelação feita pelo Verbo divino que se esclarece definitivamente o enigma da condição humana.” (Papa Francisco, Verbum Domini, 6.)
Este ano gostaria de propor-vos a Escola Dominicana, com São Domingos de Gusmão (1170-1221) e Santa Catarina de Sena (1347-1380), que estão também na origem desta bela família espiritual mas também no gênesis do nosso carisma fundador. O livro do Diálogo, é uma belíssima Sinfonia de Oração entre o Pai e Catarina de Sena, uma jovem sedenta, com apenas 30 anos. Esta obra faz-nos mergulhar na profundidade dos ensinamentos que o próprio Deus quer fazer-nos através da Sua Palavra, recebida na oração, num diálogo amoroso e livre, filial e realista, levando-nos a progredir, sem cessar, na união com Ele e com os irmãos. Domingos e Catarina, são Santos que nos ensinam a “falar sempre com Deus e só de Deus!”. Com um estilo de vida pobre e inúmeras asceses e jejuns, alcançavam os corações pela autenticidade de seus testemunhos de vida e por serem verdadeiros “contemplativos e missionários”. Os diversos conventos fundados por São Domingos eram lugares de estudo e vivência da Palavra. Perscrutar a Palavra, pela Lectio Divina e o Estudo aprofundado das Sagradas Escrituras; e Viver a Palavra, através da vida comunitária sadia, harmoniosa e complementar. O Pai, nessa Sinfonia de Amor com a Sua querida filha Catarina, ensina-lhe o segredo para progredir sempre mais, De profundis:
“Ama-Me desinteressadamente, sem aspirar a consolações; ama o próximo sem esperar compensações pessoais. Ama simplesmente por amar! (…) Ó Filha querida, apaixona-te por este excelente estado de perfeição. Vê como progridem sob tão grande iluminação. Como são grandes! Têm o espírito santificado, estão sedentos pelo desejo santo, preocupam-se com a salvação dos outros, porque Me amam… Desejas chegar à pureza completa? Desejas livrar-te das preocupações, de modo que teu espírito em nada se escandalize? Procura estar sempre unida a Mim no amor, pois sou Eu a pureza suma e eterna; Sou o fogo que purifica o homem. Quanto mais alguém se avizinhar de Mim, mais puro será; quanto mais distante, mais impuro. Quem se une diretamente a Mim participará da Minha pureza. Há uma segunda coisa que deves fazer para atingir tal união e pureza: ao veres ou ouvires, de quem quer que seja, afirmações referentes a Mim ou aos homens, não pronuncies julgamentos. Diante de um pecado evidente, procura extrair uma rosa no espinheiro. Em outras palavras: oferece tudo a Mim com santa compaixão! Relativamente às ofensas cometidas contra ti mesma, lembra-te de Mim, pois sou Eu que permito tais coisas para experimentar tua virtude… Afirmo-te, querida filha, o seguinte: ‘as pessoas que aprenderem a viver tal mensagem possuem desde este mundo, a garantia do céu… e escaparás das tentações do demônio’.” (Cf. Santa Catarina de Sena, O Diálogo,24.3- A iluminação dos perfeitos, p. 218-220)
Tendo feito voto de virgindade aos 7 anos, decide desposar somente a Cristo. Com apenas 20 anos, todas as semanas, Catarina já pregava, exortava e ensinava uma grande multidão de leigos, religiosos e sacerdotes. Aos 21 anos, recebe o sinal do seu casamento místico, “o anel do prepúcio de Cristo”, e foi por Ele desposada, com a presença da Virgem Maria, São Pedro, São João e São Domingos! Levada por Jesus ao deserto de Amor, por três anos em solitude… com um grande Ano Sabático em que se consagrou à escuta Amorosa do Pai! Mística da cela interior, da habitação da Trindade na Alma e do duplo conhecimento, foi enviada em missão, com uma extraordinária fecundidade espiritual, fora do comum!
“A salvação dos homens exige que voltes à vida. Mas não viverás mais como até agora. O pequeno quarto não será mais a tua costumeira moradia; pelo contrário, para a salvação das almas deverás sair de tua cidade. Estarei contigo na ida e na volta. Levarás o Louvor do Meu Nome e a Minha Mensagem em tua boca com uma sabedoria, à qual ninguém poderá resistir. Conduzir-te-ei diante de papas, de bispos e de governantes do povo cristão a fim de que por meio dos fracos, como é do Meu feitio, Eu humilhe a soberba dos fortes.” (B. Raimundo de Cápua, Biografia de Santa Catarina de Sena, Livro III, cap. 1.)
Como poucas almas, tinha um sentido elevadíssimo de maternidade espiritual, deixando-se seduzir pelo Doce Jesus, Verbo do Pai, e para Ele arrastava uma multidão (cf. Ct 1,1-4). A jovem ‘mamma’ impressionava a todos pela sua capacidade de ler nas consciências e tinha sempre a solução para os problemas mais difíceis. Com apenas 23 anos, recebe os estigmas, e aconselha Papas, Cardeais, Bispos, Reis e Rainhas, Príncipes e Princesas, pessoas de alta sociedade como os mais pobres dos pobres pois era o tempo da peste negra que dizimava milhares de pessoas. Não faltavam na sua lista monjas, eremitas, leigos, padres em perigo… e até mesmo, os membros da sua própria família.
“Mas prestai atenção, caríssimo irmão, pois não podereis ser um cavaleiro viril e socorrer as necessidades da santa Igreja, se antes não combaterdes e não fizerdes guerra aos nossos três inimigos principais, que são o mundo, o demônio e a carne.
Eles são os três principais tiranos que matam a alma, quanto à graça divina, em qualquer estado de vida se encontre a pessoa, se o livre-arbítrio abrir a porta da vontade e os puser dentro de nós. O mundo nos fere com suas alegrias vãs e desordenadas, pondo diante do olhar da nossa inteligência as altas posições sociais, as honras, grandezas e numerosos prazeres. Todas essas coisas são vazias e transitórias, passam como o vento, são mutáveis e sem nenhuma firmeza.” (Santa Catarina de Sena, Cartas, n. 372.)
Ensinava que as virtudes só se adquirem com dificuldade e fazendo violência à sua fraqueza, e que só com esta violência alcançamos virtudes verdadeiras e sólidas. O seu incansável zelo, animava não somente as Tropas de Evangelização, As Brigatas, verdadeiras primícias das Comunidade Novas – como foi capaz de convencer o verdadeiro Papa Urbano VI, refugiado em Avignon a voltar a Roma, no tempo tão conturbado provocado pela nomeação do Anti-papa, Clemente VII. Tornou-se Apóstola da Unidade da Igreja. Em Rocca D’Orcia, no outono de 1377, com 30 anos aprendeu milagrosamente a escrever, traçando de repente num papel, as seguintes palavras:
“Ó Espírito Santo vem em meu coração! Pelo Teu poder, arrasta-o para Ti, ó Deus e dá-me a Caridade e o Temor. Ó Cristo, protege-me de todo o mau pensamento, aquece-me e inflama-me com o Teu doce Amor, de modo que toda pena me pareça leve. Meu Pai Santo, e meu Doce Senhor, ajuda-me agora e em qualquer necessidade. Cristo Amor, Cristo Amor.” (Idem, O Diálogo,24.3- A iluminação dos perfeitos, p. 218-220.)
Tendo recebido o dom da troca dos corações e o dom das lágrimas, morre esgotada, aos 33 anos sussurrando: “Pequei, pequei Senhor, tem piedade de mim”.
Contemplativos abrasados por Palavras de Fogo e Missionários totalmente consagrados ao anúncio da Palavra!
Neste ano dedicado à Sinfonia da Oração a Comunidade Sementes do Verbo oferece a Deus e à Igreja 7 polos de adoração perpétua no mundo, como sinal dos sete olhos em fogo, o olhar penetrante do Senhor pousados sobre nós, que percorrem a Terra, para dela cuidar (cf. Zc 4,7); e as sete velas diante do Altíssimo, representam os sete dias da criação
(cf. Gn 1, 1-2,1) e também as sete Igreja aos pés do Cordeiro (cf. Ap 1, 20) que de noite e dia O aclamam e com Ele aprendem como Virgens, revirginizados pelo Sangue do Cordeiro a Segui-Lo, onde quer que Ele vá! (cf. Ap 14, 4)!
Viveremos também este ano de Lectio Divina, aprendendo a anotar humildemente e fielmente, no Compêndio os segredos do Pai e a manducar o Verbo através do Rosário, uma Rosa por cada salmo a meditar, chorando com os que choram e se alegrando com os que se alegram, São Domingos, recebe das mãos da Virgem Maria a arma do Rosário:
“Sabes tu, Meu querido Domingos, de que arma se serviu a Santíssima Trindade para reformar o mundo? Foi a saudação evangélica, que é o fundamento do Novo Testamento. Se queres ganhar para Deus os corações endurecidos, reza o meu saltério.”
Irmã Maria Sarah
Moderadora Geral da
Comunidade Sementes do Verbo