por Diácono Georges Bonneval
S. Paulo, dirigindo-se aos Romanos, no contexto do capítulo oito, sobre o Espírito Santo, centra o seu discurso sobre as primícias do Espírito (que já estão presentes) e sobre a esperança da plenitude (que ainda está por vir):
“A nossa salvação é objeto de esperança; e ver o que se espera, não é esperar. Acaso alguém espera o que vê? E se esperamos o que não vemos, é na perseverança que o aguardamos.” (Rm 8,24-25)
A salvação dos homens já foi dada, está ao alcance da fé de cada um de nós. Esse é o mistério de Natal que vamos celebrar. O Verbo do Pai, Jesus Nosso Salvador, entra na condição humana para nos divinizar e para iluminar a nossa consciência que, aqueles que acreditam Nele, serão – Nele – salvos “na esperança”.
“Cristo, firmeza da nossa Esperança!”
Esta esperança não tem nada a ver com uma esperança natural e humana. É uma virtude teologal, um dom da graça, recebido nos corações pelo batismo, e é por isso que ela permanece ainda mais confiável e sólida, pois vem de Deus.
O autor da carta aos Hebreus apresenta-nos a virtude da Esperança como uma uma “âncora da alma”: “A esperança, com efeito, é para nós qual âncora da alma, segura e firme, penetrando para além do véu” (Hb 6,19). Para os navios que regressaram ao porto, a âncora é uma segurança, uma guarda, um ponto de fixação. É isso que representa a Esperança na nossa vida espiritual: uma solidez estável, uma força na profundidade. É uma âncora fixada nos Céus, que está atracada ao trono de Deus.
Paulo lembra aos Efésios que, antes do seu encontro com Cristo, eles estavam “sem esperança e sem Deus no mundo!” (Ef 2,12). Eles estavam num vazio existencial. Mas agora, em Cristo Jesus: “Vós, que outrora estáveis longe, fostes trazidos para perto, pelo sangue de Cristo” (Ef 2,13).
Há tantas pessoas que não vivem esta esperança cristã e que perderam até mesmo toda a esperança humana. Neste Natal, devemos rezar por todos os exilados e refugiados que estão desorientados e sem bússola longe do seu povo e da sua terra. Por todos aqueles que estão sem trabalho e que perdem, pouco a pouco, a esperança.
Não é porque os cristãos sabem com detalhes o que os espera no futuro, que eles estão tranquilos, mas porque sabem que a sua vida não acabará no nada.
“Poderíamos desesperar de nós, se Ele não se tivesse feito carne, habitando entre nós.” (Sto. Agostinho, Confissões X, 43,69)
É Ele que nós contemplamos na graça do Natal, graça que devemos comunicar a todos, à nossa volta!
“A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi aberta de par em par. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova.” (Papa Bento XVI, Carta Apostólica Spe Salvi, Salvos na Esperança, dia 30 de novembro de 2007).
“Jovens, não deixeis que vos roubem a esperança!”
(Papa Francisco, homilia da missa de Ramos, Roma, 24 de março de 2013)
O Papa Francisco, por diversas vezes lançou este alerta, como um grito profético para o nosso tempo. Mas o que, então, poderia roubar-nos este dom de Deus que é a esperança? A resposta do Papa Francisco foi dada na sua homilia do dia 27 de maio de 2013: “a cultura do bem-estar” e “o fascínio do provisório”.
Intelectualmente, ninguém entre nós deseja ver roubada a sua esperança! Mas, como a fé e a caridade, são nos roubadas de maneira subtil e escondida. Quando somos inclinados a absolutizar os nossos desejos imediatos, quando vivemos a ilusão que eles são atendidos e preenchidos de forma enganosa pelos meios modernos à nossa disposição. Eis-nos satisfeitos com “o pão e o circo” deste mundo que nos anestesia e as nossas almas deslizam, pouco a pouco, para uma “apostasia tranquila!”.
Além disso, damos um crédito de confiança muito grande aos progressos das ciências da biologia e da medicina, através das nanotecnologias e das nanociências, que provocam uma reviravolta, é verdade, nas descobertas médicas e dão esperanças de melhorias na saúde a nível mundial, prevendo uma prolongamento da vida humana para as próximas gerações. Do mesmo modo, no que diz respeito às novas tecnologias ao serviço do “infinitamente grande” das ciências espaciais e da astrofísica.
Este progresso no aumento dos conhecimentos suscita, evidentemente, a nossa admiração face à complexidade da criação e às descobertas científicas.
Mas faltará sempre muito que fazer para que os bons resultados desses progressos sejam direcionados para o serviço do bem real do homem, e o desenvolvimento integral dos povos mais pobres.
O Papa Bento XVI declarou: “Tanto a fé como a esperança, na época moderna, passaram como que por um ‘deslocamento’, porque foram relegadas ao plano particular e ultraterreno, enquanto na vida concreta e pública se afirmou a confiança no progresso científico e econômico” (Papa Bento XVI, Homilia do dia 27 de setembro de 2009, na República Checa).
Já no século IV, S. Gregório de Nazianzo (Pai e Doutor da Igreja, Bispo de Constantinopla – antigo nome de Istambul, na Turquia –), explica a mudança ocorrida a partir de Cristo, na concepção do mundo.
A partir do momento em que os magos, guiados pela estrela, adoraram o novo Rei, Cristo, esse tempo marcou o fim da astrologia porque “agora as estrelas giram segundo a órbita determinada por Cristo” (Poemas dogmáticos V, 53-64).
Para S. Gregório, não são os elementos do cosmos, as leis da matéria que, em definitivo, governam o mundo e o homem. Mas é um Deus pessoal que governa as estrelas e o universo.
Ainda hoje, não nos deixamos influenciar nem determinar, de maneira alguma, pelas previsões astrológicas nem pelos horóscopos que abundam nos nossos dias.
Não são as leis da matéria e da evolução que são a instância última, mas a razão, a vontade, o Amor, que é uma Pessoa. E, se conhecemos esta Pessoa, então, verdadeiramente, o poder dos elementos materiais não é mais a última instância. “A vida eterna é esta: que eles Te conheçam a Ti, o único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3).
Não somos mais escravos do universo e das suas leis e nos tornamos livres.
“Não é a ciência que redime o homem. O homem é redimido pelo Amor.” (Papa Bento XVI, Carta Apostólica Spe Salvi, Salvos na Esperança, dia 30 de novembro de 2007)
“Em Cristo, Deus manifestou-Se. Comunicou-nos já a ‘substância‘ das coisas futuras, e assim a espera de Deus adquire uma nova certeza. É espera das coisas futuras a partir de um dom já presente.” (Papa Bento XVI, idem)
Ninguém se salva sozinho, mas juntos é que Cristo nos coloca na Esperança da vida eterna
Esta esperança cristã na vida eterna não pode reduzir-se a uma experiência individ
ual, porque a salvação, na fé da Igreja, foi sempre considerada como uma realidade comunitária.
Do amor para com Deus decorre a nossa participação na justiça e na compaixão de Deus para com todos. Amar a Deus exige a liberdade interior face a todas as posses e a todos os bens materiais. O Amor de Deus revela-se na responsabilidade para com os outros. Viver “para Ele” nos remete, imediatamente, à nossa maneira de viver “para os outros”.
“Nós sabemos que este Deus existe e que por isso este poder que ‘tira os pecados do mundo’ (Jo 1,29) está presente no mundo. Com a fé na existência deste poder, surgiu na história a esperança da cura do mundo.” (Papa Bento XVI, idem)
“Sofrer com o outro, pelos outros; sofrer por amor da verdade e da justiça; sofrer por causa do amor e para se tornar uma pessoa que ama verdadeiramente: estes são elementos fundamentais de humanidade; o seu abandono destruiria o mesmo homem.” (Papa Bento XVI, idem)
Na história da construção das igrejas e catedrais, para tornar mais visível a dimensão histórica e cósmica da fé em Cristo, essas igrejas foram construídas em direção ao oriente (quer dizer, para Cristo que volta como Rei, imagem da esperança). E do lado ocidental, representamos o Julgamento final como imagem da responsabilidade da nossa existência.
“O homem é feito para a eternidade; mas só em conexão com a impossibilidade de a injustiça da história ser a última palavra, é que se torna plenamente convincente a necessidade do retorno de Cristo e da nova vida.” (Papa Bento XVI, idem)
Um dia, no face a face, no final da nossa vida terrena, o olhar de Jesus, o seu coração aberto, os seus braços abertos, nos curarão definitivamente graças a uma transformação que S. Paulo designa: “como que através do fogo” (1 Cor 3,12-15).
Paulo declara também que nós esperamos todos a nossa salvação “com temor e tremor” (Fl 2,12). É somente a graça que nos permite esperar e ir cheios de confiança ao encontro do Juíz que nós conhecemos já como nosso Salvador e “advogado” (parakletos) (1 Jo 2,1).
“Nenhum homem é uma mônada fechada em si mesma. As nossas vidas estão em profunda comunhão entre si; através de numerosas interações, estão concatenadas uma com a outra. Ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço e realizo. E, vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem.” (Papa Bento XVI, idem)
Sendo assim, a nossa oração de intercessão por aqueles que amamos, não é qualquer coisa que é estranha ao Senhor, mesmo depois da morte, Ele acolhe a nossa oração.
“A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim (cf. Catecismo da Igreja Católica nº 1032).” (Papa Bento XVI, idem)
Dentro de um mês, centenas de milhares de jovens estarão reunidos ao redor do Papa Francisco para as JMJ no Panamá. Lembremos algumas palavras de esperança do sucessor de Pedro “o Doce Vigário de Cristo sobre a terra” (como lhe chamava Sta. Catarina de Sena):
“A vós, jovens, digo-vos: levai em frente esta certeza: o Senhor está vivo e caminha ao nosso lado na vida. Esta é a vossa missão! Levai em frente esta esperança. Permanecei alicerçados nesta esperança, nesta âncora que está no céu; segurai com força a corda, permanecei ancorados e levai em frente a esperança. Vós, testemunhas de Jesus, deveis levar em frente o testemunho de que Jesus está vivo, e isto dar-nos-á esperança, dará esperança a este mundo um pouco envelhecido devido às guerras, ao mal e ao pecado. Avancem, jovens!”. (Papa Francisco, Catequese de quarta-feira, 3 de abril de 2013)
O Papa retoma as mesmas palavras como para insistir: “Gostava de dizer uma coisa a todos vós, jovens: não deixeis que vos roubem a esperança! Por favor, não vo-la deixeis roubar! E quem é que te rouba a esperança? O espírito do mundo, as riquezas, o espírito da vaidade, a soberba, o orgulho. Todas essas coisas roubam-te a esperança. Onde encontro a esperança? Em Jesus pobre, em Jesus que Se fez pobre por nós.” (Papa Francisco, dia 7 de junho de 2013)
Os portais do mistério da segunda virtude (1912) de Charles Peguy (autor católico francês, 1873-1914).
A pequena esperança caminha entre as suas irmãs mais velhas
e não lhe é dada a devida atenção.
No caminho da salvação, no caminho da carne,
no caminho pedregoso da salvação, na estrada interminável,
nessa estrada entre as suas duas irmãs,
caminha a pequena esperança.
Entre as duas irmãs grandes.
Aquela que é casada, e aquela que é mãe.
E ninguém repara nela, o povo cristão só repara
nas duas irmãs grandes.
A primeira e a última.
Que caminham com pressa.
Para o tempo presente.
No instante momentâneo que passa.
O povo cristão só vê as duas grandes irmãs.
Só olha para as duas irmãs grandes.
A da direita e a da esquerda.
E quase não repara na que caminha no meio.
A mais nova, aquela que vai ainda à escola.
E que caminha.
Perdida entre as saias das suas irmãs.
E creem prontamente que são as duas mais velhas
Que arrastam a pequena pela mão.
Ao meio. Entre as duas.
Para que elas trilhem este caminho acidentado da salvação.
Os cegos, que não veem, ao contrário,
Que é ela no meio que arrasta as suas irmãs mais velhas.
E que, sem ela, elas não seriam nada.
Que duas mulheres já envelhecidas.
Duas mulheres duma certa idade.
Enrugadas pela vida.
É ela, esta mais nova, que arrasta tudo.”