por Diácono Georges Bonneval

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O tema da Liberdade é, com certeza, um tema entre os mais importantes e atual para a sensibilidade dos jovens de hoje. Este tema também está ligado ao do discernimento recebido para este Ano de 2018. De fato, não pode haver um discernimento justo sem liberdade interior. É por isso que este tema da liberdade é tão importante.

Mas também é muito importante saber, no fundo, de que liberdade falamos? Porque encontramo-nos hoje diante de uma “grande rejeição” de toda a regra de conduta recebida de fora, que parece absurda e inútil para uns, e demasiado condicionante, para outros.

O homem moderno vive uma espécie de paradoxo na maneira de exercer a sua liberdade:

Por um lado, experimenta uma grande procura quanto à “inviolabilidade” da pessoa humana, uma convicção absoluta e louvável da sua dignidade. Ao mesmo tempo, ele é levado, sob a influência do materialismo envolvente e do poder da tecnologia, a aceitar as manipulações da pessoa humana, a sua redução a instrumento, em objeto comercializável, que podemos dissecar e moldar – e até mesmo “fabricar”  do seu jeito. (Como exemplos disso temos: o aborto fácil, a eutanásia, a experiência com embriões e células estaminais, as experiências biogenéticas, a procriação médica assistida, a barriga de aluguel, o “casamento gay”, as tentativas para detetar as deficiências da criança no ventre materno para, eventualmente, suprimi-las, o tráfico de seres e de órgãos humanos, a escravidão de mulheres e de crianças…)

O homem moderno não suporta legalismos no domínio da ética (do comportamento moral), mas pode revelar-se muito exigente e legalista ao nível daquilo que diz respeito à tecnologia! Associa, muitas vezes, o Evangelho ao legalismo moral e, por isso, não quer ouvir falar mais sobre isso.

Os Apóstolos: Pedro, Paulo e João, clarificam o que é a verdadeira liberdade em Cristo:

“Comportai-vos como homens livres, não usando a liberdade como cobertura para o mal, mas como servos de Deus.” (1Pd 2,16)

“Vós fostes chamados à liberdade, irmãos. Entretanto, que a liberdade não sirva de pretexto para a carne, mas, pela caridade, colocai-vos a serviço uns dos outros.” (Gl 5,13)

“Disse, então, Jesus aos judeus que nele haviam crido: ‘Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará’.” (Jo 8,31-32)

A criança (“infans” em latim), significa aquele que não fala, aquele que não usa palavras… E que deve depender dos seus pais ou de outros para falar. É por isso que toda criança sonha com um futuro onde será “livre para fazer o que ele quer!” (“quando eu for grande, farei o que eu quiser…”).
 

1) A liberdade, nossa liberdade, é um dom de Deus-Pai!

É um dom de Deus! Uma vez que Deus nos criou “à Sua imagem e Sua semelhança” (cf. Gn 1,27). Ele nos criou livres, portanto, (e não escravos) e este dom da liberdade faz parte do dom da “realeza” recebido no batismo. Procede de uma autonomia real! “Tu és filho… e, por isso, livre! na casa do Pai!”

Mas, então, porque é que o filho (pródigo) do Evangelho quis sair da casa do seu pai, se ele era livre? (Lc 15,11ss)

O problema não estava no seu desejo de liberdade, mas sim na sua ideia de que para ser livre, precisava, necessariamente, se libertar do seu pai (símbolo de Deus Pai). Ora, foi Ele mesmo que colocou em nós esta liberdade.

Este filho, depois de ter experimentado todos os fracassos, está pronto a perder o seu estatuto de filho para poder voltar a casa! (e aceitar o estatuto de empregado!). Ele quer reencontrar o estatuto de habitante da casa, mas não ainda o de filho!

E o outro filho da parábola, seria um filho livre? “Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe. Ele, porém, respondeu a seu pai: ‘Há tantos anos que eu te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos…” (Lc 15,28-29)

Ele reclama também uma pseudoliberdade sonhando – no interior da casa do pai – uma festa onde – ele e seus amigos -, seriam livres para festejar… sem o pai!

“’Por detrás desta forma de fazer o bem, há soberba’. Por sua vez, o filho pródigo, ‘sabia que tinha um pai e no momento mais difícil da sua vida foi ter com o pai’. O filho mais velho, ao contrário, ‘compreendia apenas que o pai era patrão, mas nunca o tinha sentido como pai: era rígido, caminhava na lei com rigidez’. Mais ainda: o filho pródigo ‘deixou a lei de lado, e foi-se embora sem a lei, contra a lei, mas a um dado momento pensou no pai, voltou e foi perdoado’. ‘Não é fácil caminhar na Lei do Senhor sem cair na rigidez’.” (Papa Francisco, homilia do dia 24 de outubro de 2016)

Finalmente, o que é a verdadeira liberdade? Como nos tornamos livres? Por dentro e por fora?

A primeira chave nos é dada pelo próprio Jesus (o Filho!):

“Se, pois, o Filho vos libertar, sereis, realmente, livres!” (cf. Jo 8,36)

A liberdade é um dom de Deus que nos vem através de Cristo. A liberdade: é o próprio Cristo!

Do que é que Cristo nos liberta? Do pecado, que nos domina, da morte que rompe o fio condutor da nossa vida, a morte espiritual que nos separa de Deus, do mal organizado (guerras, toxicodependências, sistemas malignos e maléficos, ídolos…)

O perdão de Cristo liberta-nos do pecado e do sentimento de culpa, que gera reações de defesa, de autojustificação e de acusações em relação aos outros. Por isso, o seu perdão liberta-nos da morte e do medo da morte – a angústia – que assombra todo homem.

Podemos dizer que Jesus se fez pecador? Não, porque Ele não podia pecar. S. Paulo tem a palavra justa: “Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por causa de nós” (2 Cor 5,21). Ele tomou sobre si os nossos pecados.

“Este é o maior milagre de Jesus. Nós, escravos do pecado, estamos livres. Ele nos curou. Pensar nisso nos fará bem, pensar como é maravilhoso ser filho! É tão linda a liberdade dos filhos, porque o Filho está em casa. Jesus abriu-nos as portas de casa, agora, nós estamos em casa! Compreendemos agora esta palavra de Jesus: ‘Coragem, filho, teus pecados estão perdoados’. Essa é a raiz da nossa coragem: sou livre, sou filho, o Pai me ama e eu amo o Pai. Peçamos ao Senhor a graça de bem compreender a Sua obra.” (Papa Francisco, homilia do dia 4 de julho de 2017, em Santa Marta, Roma)

A primeira qualidade de uma liberdade justa e boa: reconhecer se a minha liberdade interior é um dom de Cristo

Nesse caso, é sempre um dom do Espírito Santo. Porque S. Paulo declara: “O Senhor é o Espírito, e, onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2 Cor 3,17). Pela vinda do Espírito em nós e sobre a Igreja desde Pentecostes, somos libertos de nós mesmo, do “eu” egocêntrico que, muitas vezes, é rei e nos fecha sobre nós mesmos e no nosso pequeno reino bem estreito e limitado.

“Com efeito, não recebestes um espírito de escravos, para recair no temor, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: ‘Abba! Pai!’ O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar  que somos filhos de Deus.” (Rm 8,15-16)

Doravante, o cristão nascido das águas do Batismo torna-se, a seu modo, fonte de vida para outros, pelo Espírito que transborda do seu ser como um rio.

“A nossa plena segurança está no Espírito Santo, mesmo se isso nos provoca medo, pois Ele não nos dá seguranças humanas e o homem não pode ‘controlar o Espírito Santo’.” (Papa Francisco, homilia do dia 12 de junho de 2013)

A nossa
liberdade pessoal é um dom de Deus e deve ser vivida na relação com Deus! Senão, entregue a si mesma, torna-se uma liberdade louca – porque sem limites – e pode tornar-se tirânica.

“Uma Igreja é livre quando tem memória, quando dá lugar aos profetas, quando não perde a esperança.” (Papa Francisco, homilia do dia 30 de maio de 2016)

2) A questão agora é, como vou utilizar esse dom?

“Vós fostes chamados à liberdade, irmãos. Entretanto, que a liberdade não sirva de pretexto para a carne, mas, pela caridade, colocai-vos a serviço uns dos outros.” (Gl 5,13)

No nosso mundo moderno (para além dos países, raças, políticas), constatamos o reinado de “desejos individualistas onipotentes!”, quer dizer, um sistema que permite toda espécie de desejos desregrados e desordenados. E como nenhuma instituição, moral estabelecida ou religião podem designar o que se deve desejar, não resta mais nada a não ser cobiçar o que o vizinho deseja para si mesmo. É o que chamamos desejo mimético.

Hoje em dia, os marketings publicitários não se focam mais sobre a mercadoria (suas qualidades nem sua utilidade), mas sobre o desejo que atrai os consumidores para elas. São esses desejos que eles produzem, que é preciso evidenciar. Estes últimos tornam-se a verdadeira mercadoria que vamos comprar!

O homem de hoje chega até a pensar: “Se não desejas mais nada, então, para que serve viver aqui em baixo?”

A liberdade consiste sempre em escolher o bem sobre o mal, a vontade de Deus mais do que a própria vontade. Muitas pessoas acreditam, ao contrário, que a liberdade consistiria em poder escolher fazer o bem ou o mal!

Escolher sempre o bem, é o sinal da minha liberdade bem utilizada…

Escolher o mal (em vez do bem) é o sinal de um uso abusivo da minha liberdade! Porque fazer o mal torna-nos sempre mais escravos.

A liberdade consiste também em poder escolher entre vários bens:

Por exemplo, entre uma carreira profissional interessante, uma vida consagrada e o casamento com uma pessoa amada… Tudo é possível!

A liberdade consiste em escolher sempre a verdade contida na Palavra de Deus interpretada em Igreja, acolhendo-a com alegria.

 “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.” (Jo 8,31-32)

Liberdade do homem e Lei divina não se opõem, ao contrário, ambas precisam uma da outra.

Desde o princípio da criação, Deus deu ao homem o dom da sua liberdade, mediante um único mandamento:

 “Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer.” (Gn 2,16-17)

Observemos como é que o diabo traduziu estas palavras a Eva:

 “‘Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do jardim?’ A mulher respondeu à serpente: ‘Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Dele não comereis, nem tocareis, sob pena de morte.’

A serpente disse então à mulher: ‘Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal’.” (Gn 3,1-5)

O diabo tem um “certo” conhecimento da Palavra de Deus (cf. Tg 2,19), mas é, acima de tudo, um intérprete desonesto! Porque ele sempre interpreta a Palavra de Deus ao contrário e dando um outro sentido. Hoje, não é nada raro que algumas pessoas perguntem aos cristãos:

“Então, Deus diz que você deve se privar de tudo para ser feliz?”

É por isso que a vida de fé, a vida consagrada, a vida em comunidade… torna-se sinônimo de alienação, de prisão, de falta de liberdade! O Apóstolo Paulo, na sua época, já fazia a mesma constatação:

 “Somos tidos como impostores e, não obstante, verídicos; como desconhecidos e, não obstante, conhecidos; como moribundos e, não obstante, eis que vivemos, como punidos e, não obstante, livres da morte; como tristes e, não obstante, sempre alegres; como indigentes e, não obstante, enriquecendo a muitos; como nada tendo, embora tudo possuamos!” (2 Cor 6,8)

Depois da queda, o homem procura impor-se pela força e pela violência, quer seja uma força física quer seja uma força intelectual. É pelo conhecimento, pelos conhecimentos, que esta força se faz valer e se impõe. E, na base desses conhecimentos, está o “conhecimento do que é bom ou mau” (cf. Gn 2,17). O homem atribui-se, de forma arrogante, o direito de estabelecer, ele mesmo, o que é bom ou mau, sem fazer referência a Deus.“Eles serão… como deuses” (cf. Gn 3,5).

3) A liberdade consiste em ser livre para amar a todos!

“Minha vida, ninguém a tira de mim, mas eu a dou – livremente.” (Eu tenho o poder de entregá-la, diz Jesus!). (cf. Jo 10,17-18)

É aprendendo a amar como Cristo, que eu vou aprender a tornar-me cada vez mais livre, como Ele. O amor egoísta centra-me, sempre mais, sobre mim mesmo, tornando-me escravo dos meus desejos.

O amor ágape, pelo contrário, faz-me procurar o bem dos outros e a sua salvação. “Fazendo assim, eu serei feliz!”  Foi a experiência que fez Sta. Teresinha do Menino Jesus, no Natal de 1886. Ela própria a descreve como “a extraordinária libertação do Natal de 1886”.

“Nessa noite de luz, começou o terceiro período da minha vida, o mais bonito de todos, o mais cheio das graças do Céu… Num instante, a obra que eu não pude cumprir em dez anos, Jesus a fez contentando-se com a boa vontade que nunca me faltara. Como os Apóstolos, podia dizer-Lhe: ‘Senhor, pesquei a noite toda sem nada pegar’. Ainda mais misericordioso comigo do que com os discípulos, Jesus pegou Ele mesmo a rede, lançou-a e retirou-a cheia de peixes… Fez de mim um pescador de almas, senti um desejo imenso de trabalhar pela conversão dos pecadores, desejo que não sentira tanto antes… Em suma, senti a caridade entrar em meu coração, a necessidade de me esquecer para agradar e, desde então, fiquei feliz!”. (História de uma Alma, Manuscrito A, 45)

É interessante notar que, alguns anos antes, Teresa tinha feito uma oração (que Deus não atendeu como ela gostaria!), para pedir que Deus lhe retire a sua liberdade pessoal! (Já que a sua liberdade causava-lhe medo, de tanto receio que tinha de usá-la mal, sentindo-se tão frágil).

O Senhor concedeu-lhe a graça de consagrar-lhe a sua liberdade de amar. “A partir desse dia, Jesus e Teresa não eram mais dois, mas Ele, Jesus, era o Mestre e Rei!”.

Uma alma livre é – também – uma pessoa bem acompanhada!

É necessário e importante viver um autêntico acompanhamento espiritual no Senhor, na sua própria Família Espiritual.

“Para viver, desenvolver-se e crescer na liberdade, o ser humano tem necessidade de encontrar uma outra pessoa que o reconheça como único, que o encoraje a crescer e a tornar-se ele mesmo. Sem isso, ele fecha-se, defende-se, e procura, o tempo todo, provar a si mesmo, quem ele é.” (Jean Vanier)

O ser humano precisa de um ambiente humano de comunhão, de confiança, de amizade para desenvolver todo o seu potencial e ser formado.

“Sto. Inácio tem uma meditação famosa, chamada das duas bandeiras. Descreve, por um lado, a bandeira do demônio e, por outro, a bandeira de Cristo. Seria como as camisas de duas equipes; e pergunta-nos, em qual delas gostaríamos de jogar. Com aquela meditação, leva-nos a imaginar como seria pertencer a uma ou a outra equipe. Seria como perguntar: ‘Com quem queres jogar na vida?’  E Sto. Inácio diz que o demônio, para recrutar jogadores, promete àqueles que jogam com ele riqueza, honras, glória e poder. Serão famosos. Serão endeusados por todos. No lado oposto, apresenta-nos o jogo de Jesus. Não como algo fantástico. Jesus não nos apresenta uma vida de ‘estrelas’ famosas; pelo contrário, jogar com Ele é um convite à humildade, ao amor, ao serviço aos outros. Jesus não nos mente. Ele leva-nos a sério.” (Papa Francisco, aos jovens do Paraguai, dia 12 de julho de 2015)

 

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