por Diácono Georges Bonneval

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A Solenidade do Sagrado Coração de Jesus foi instituída pelo Papa Clemente XIII em 1765 e foi divulgada a toda a Igreja Católica Romana pelo Papa Pio IX em 1856.
As revelações de Sta. Margarida-Maria Alacoque, do convento da Visitação de Paray-le-Monial (França) contribuíram para o desenvolvimento dessa espiritualidade a partir de 1673, assim como S. João Eudes (1601-1680).

Cada ano, no mês de Junho, algumas semanas depois de Pentecostes, a Igreja convida-nos a contemplar e celebrar a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. As fontes bíblicas desta espiritualidade podem ser descobertas, particularmente, através do Evangelho de S. João, o
“discípulo amado”, que repousou a cabeça sobre o coração de Jesus durante a última Ceia (cf. Jo 13,23) e que, aos pés da cruz, no momento da Paixão, viu, perto de Maria, o Coração transpassado de Jesus (cf. Jo 19,34-37).

Podemos meditar também com Jo 7,37, sobre o anúncio profético de Cristo acerca da efusão do Espírito Santo que será em breve derramado sobre a Igreja.

O Coração Aberto de Jesus: fonte de água viva

“Um dos soldados transpassou-lhe o lado com
a lança e imediatamente saiu sangue e água.” 
(Jo 19,34)

O Coração de Jesus, transpassado pela lança, é aberto e torna-se uma fonte: a água e o sangue que daí jorram remetem-nos aos dois Sacramentos fundamentais da vida da Igreja, o Batismo e a Eucaristia.

É possível que o Apóstolo João, a partir da sua “visão” aos pés da cruz, tenha pensado na profecia de Ezequiel que viu jorrar do novo templo, um rio que dá fecundidade, vida e cura (cf. Ez 47).

Tal como a profecia de Zacarias: “Derramarei sobre a casa de Davi e sobre todo o habitante de Jerusalém  um espírito de graça e de súplica, e eles olharão para mim a respeito daquele que eles transpassaram, eles o lamentarão como se fosse a lamentação por um filho único; eles o chorarão como se chora sobre o primogênito.” (Zc 12,10)

Do lado transpassado do Senhor, do Seu coração aberto jorra uma fonte viva que corre ao longo dos séculos e que suscita e renova a Igreja.

O Coração Aberto é a fonte de um novo rio de vida, o próprio Jesus é o Novo Templo, o Seu Coração Aberto é a fonte de onde sai um rio de vida nova, que se comunica a todos os crentes.

Não posso evitar ver também, através do Coração de Jesus, o Livro aberto do Apocalipse:

“Um dos Anciãos, porém, consolou-me: ‘Não chores! Eis que o Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi, venceu para poder abrir o livro e seus sete selos’.” (Ap 5,5)

O Coração de Cristo é o Verdadeiro livro vivo, oferecido para a leitura de todos. S. Lucas diz sobre os peregrinos de Emaús:

“E disseram um ao outro: ‘Não ardia o nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32)

“Então (Jesus) abriu-lhes a mente para que entendessem as Escrituras.” (Lc 24,45)

Peçamos a inteligência do Verbo, do Coração de Jesus para entrar na inteligência das Escrituras.

O velho Simeão toma em seus braços (não só o menino Jesus) mas também a Torah santa e viva, o Verbo de Deus (cf. Lc 2,25).

“A Fé cristã não é uma religião do livro, mas uma religião da Palavra de Deus, não de um verbo
escrito e mudo, mas de uma Pessoa: o Verbo Encarnado e Vivo.” 
(Cardeal Henri de Lubac)

Pela fé, aproximamo-nos de Cristo para beber a água viva da Palavra de Deus. Desse modo, o crente torna-se, ele mesmo uma fonte, e oferece ao mundo desértico, não só a água, mas a Água Viva de Cristo, o Espírito Santo!

“Cada cristão e cada sacerdote deveriam, a partir de Cristo, tornar-se fonte que comunica vida aos outros.”
(Papa Bento XVI, homilia da Festa do Sagrado Coração, Roma, dia 11 de junho
de 2010)

O coração de Cristo permanece aberto depois da Sua Páscoa! Esta espiritualidade é mais profunda e mais ampla do que parece. Para dar apenas algumas pistas:

O Coração de Jesus, caminho da nossa filiação ao Pai, O Coração de Jesus, fonte de misericórdia para todos os homens,
O Coração de Jesus, lugar espiritual da nossa contemplação e da nossa vida missionária,
O Coração de Jesus, caminho do dom de si até o fim… etc.

S. João Maria Vianney, no século XIX, dizia: “O sacerdócio, é o amor do Coração de Jesus!”

Esta frase pode ser compreendida de duas maneiras:
– O sacerdócio tem a sua origem de amor no Coração
de Jesus;
– E ser padre consiste em amar o Coração de Jesus.

A espiritualidade do Coração de Jesus é uma espiritualidade “Eucarística e Sacerdotal”. Com efeito, o Santo Cura d’Ars
ensina:
“´É o padre que continua a obra de Redenção na terra’. ‘O padre não é padre para si mesmo, é para vós’. ‘Ide confessar-vos à Santíssima Virgem ou a um anjo.

Irão absolver-vos? Dar-vos-ão o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor? Não, a Santíssima Virgem não pode fazer descer o seu divino Filho na Hóstia. Tereis duzentos anjos que eles não poderão absolver-vos. Um padre, por mais simples que ele seja, ele pode. Ele pode dizer-vos: Ide em paz, eu vos perdoo’. ‘Oh! O padre é algo de grande!’.”

Na Encíclica Haurietis Aquas in Gaudio, o Papa Pio XII, para a compreensão da espiritualidade do Sagrado Coração, define o mistério do Coração de Jesus como: o mistério do amor misericordioso de Cristo e de toda a Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, para com a humanidade.

A Congregação para o Culto Divino recorda o sentido do culto prestado ao Coração de Jesus:

“A expressão ‘Coração de Jesus’, entendido segundo o sentido contido nas divinas Escrituras, designa o mistério do próprio Cristo, quer dizer, a totalidade do seu ser, ou o centro íntimo e essencial da sua pessoa:
Filho de Deus, sabedoria incriada; Amor infinito, princípio de salvação e de santificação para toda a humanidade. O ‘Coração de Cristo’ identifica-se com o próprio Cristo, Verbo encarnado e redentor.”
(Diretório sobre a Piedade popular e a Liturgia, publicado dia 9 de abril de 2002)

O coração de Jesus: fonte de doçura e de humildade

“Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas, pois meu jugo é suave e meu fardo é leve.” (Mt 11, 28-30)

Trata-se de uma promessa: aquele que aceita passar pelo Coração de Jesus, que vem a Ele, encontrará o repouso e o alívio da sua alma, tantas vezes pesada e curvada sob os
fardos deste mundo, que não são, necessariamente, para serem confundidos com a Cruz do discípulo.

O “coração bíblico” significa o centro profundo do ser, através da palavra hebraica “leb” ou “lebab” que traduzimos por “coração”: é a expressão do mistério interior do homem” segundo S. João Paulo II.

O Papa Bento XVI (catequese do dia 7 de dezembro de 2011) dá esta definição de conversão:

“O convite à conversão é um chamado a voltar para Deus, Pai terno e misericordioso, a ter confiança Nele, como filhos adotivos regenerados pelo Seu amor.
Converter-se consiste em colocar-se humilde
mente na escola de Jesus, para encontrar a verdadeira alegria”.

Todos temos necessidade dessa “conversão”, que consiste em passar pelo Coração de Jesus… Sem essa união não podemos viver plenamente o Amor que vem de Deus nem nos tornarmos humildes. Corremos mesmo o risco de nos mantermos apenas no orgulho e na soberba.

“Unido ao Teu Coração” era a divisa episcopal do Cardeal jesuíta Albert Vanhoye, francês, chamado “O jesuíta do Coração de Cristo!”, que pregou o retiro de quaresma ao Papa e aos cardeais em Roma, em fevereiro de 2008.

Esta divisa – diz o cardeal – “Exprime, por sua vez, uma intenção e uma oração: a intenção de viver unido ao Coração de Jesus em pensamento, ação, afeição e palavras e, ao mesmo tempo, uma invocação humilde e confiante porque não podemos obter esta união por nós mesmo, mas é uma graça tão desejável”.

O Verbo fez-Se homem para nos mostrar como Ele nos ama com um coração humano.

As discórdias (dis-cordiae) provêm de uma divisão interior, de um coração humano, quando ele perde o seu pólo de equilíbrio (o do Coração de Cristo).

“Na verdade, os desequilíbrios de que sofre o mundo atual estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se radica no coração do homem.”
(Gaudium et Spes, nº 10,1)

Saibamos ler no Coração Aberto de Cristo, como num livro aberto, para nos tornarmos – com Sta. Teresa do Menino Jesus – doutores da Ciência do Amor!

A partir do Coração de Jesus, entremos no nosso próprio coração, no coração da Igreja, no coração da nossa Família Espiritual, com um coração filial, doce e humilde (o coração de filho adotivo em Jesus).

“As nossas comunidades, amados irmãos e irmãs, devem tornar-se autênticas ‘escolas’
de oração, onde o encontro com Cristo não se exprima apenas em pedidos de ajuda, mas também em ação de graças, louvor, adoração, contemplação, escuta, afetos de alma, até
se chegar a um coração verdadeiramente ‘apaixonado’. Uma oração intensa, mas sem
afastar do compromisso na história: ao abrir o coração ao Amor de Deus, aquela abre-o
também ao amor dos irmãos, tornando-nos capazes de construir a história segundo o
desígnio de Deus.”
(Papa João Paulo II, Novo Millenio Inuente, 33)
 

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