por Diácono Georges Bonneval
S. Paulo declara que “o próprio Espírito se une ao nosso espírito…” (Rm 8,16). Nesse sentido, podemos pensar que o Espírito Santo age em relação às nossas faculdades naturais (inteligência, memória, vontade, imaginação, consciência…). Neste mês de maio, centrado sobre a Festa de Pentecostes, vamos aprofundar esta relação entre o Espírito Santo e a nossa consciência espiritual.
“Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la em lugar escondido ou debaixo do alqueire, e sim sobre o candelabro, a fim de que os que entram vejam a luz. A lâmpada do corpo é o teu olho. Se teu olho estiver são, todo o teu corpo ficará também iluminado; mas se ele for mau, teu corpo também ficará escuro. Por isso, vê bem se a luz que há em ti não é treva. Portanto, se todo o teu corpo está iluminado, sem parte alguma tenebrosa, estará todo iluminado como a lâmpada, quando te ilumina com seu fulgor.” (Lc 11, 33-36)
A fé não substitui a nossa consciência moral, mas vem como purificá-la, inspirá-la, iluminá-la, com a ajuda do Espírito Santo.
Assim, o próprio Cristo nos convida a examinar se a qualidade da “luz que há em ti não é treva” (Lc 11, 35).
Este chamado de Cristo para examinarmos a nossa consciência deixa entender que esta pode tanto obscurecer-se como iluminar-se. Do mesmo modo que um vidro pode deixar passar a luz do sol… desde que seja limpo regularmente e que não esteja coberto de lama!
O que quer dizer que a faculdade da consciência, em cada pessoa humana, não é somente um puro dado da natureza, de uma vez por todas, mas é um objeto de educação, de inspiração e um caminho de crescimento.
Os pais sabem bem como lhes é necessário educar os seus filhos na sua consciência do bem e do mal. Depois, o jovem e o adulto procurará, normalmente, por si mesmo, continuar esse trabalho de educação e de iluminação da sua consciência. Isso dependerá também das pessoas junto das quais ele formará e influenciará a sua consciência pessoal.
Quando Jesus afirma: “Caso alguém escandalize um destes pequeninos que creem em mim, melhor seria que lhe pendurassem ao pescoço uma pesada mó e fosse precipitado nas profundezas do mar” (Mt 18,6), Ele lembra que há atos que podem provocar a queda dos mais fracos. Só o medo de fazer cair alguém já deve interpelar a nossa consciência.
Finalmente, o que deve guiar e comandar o exercício da nossa liberdade de consciência, deve sempre ser verificado no teste da caridade de Cristo.
As Sagradas Escrituras não são, por natureza, destinadas a fornecer-nos diretamente os oráculos divinos, nem um código de moral prática com capacidade de considerar todos os casos concretos da nossa vida do século XXI! A nossa consciência pessoal tem a função de encontrar os ajustes necessários, ajudada pelos ensinos da Igreja.
A consciência pessoal deve dar a sua contribuição, porque é uma lei interior que convoca cada um a fazer aquilo que ele crê que é o bem e a evitar tudo o que acredita que é o mal. Finalmente, ela é a instância de julgamento entre aquilo que é percebido como um bem a fazer e aquilo que foi, efetivamente, realizado.
Convém não confundir os diferentes níveis de consciência: o nível psicológico, o nível moral e o nível espiritual que estrutura toda a pessoa humana. Chegar a distinguir, no fundo de si mesmo, estas três dimensões só pode ser fruto de um paciente caminho de discernimento interior.
O Pe. Cantalamessa, na sua segunda pregação do Advento, no dia 9 de dezembro de 2016, amplia o exercício da atenção da consciência, em vista de um discernimento ou de uma decisão:
“Além da escuta da Palavra, a prática mais comum para exercer o discernimento a nível pessoal é o exame de consciência. Este não deveria ser limitado somente à preparação da confissão, mas deveria tornar-se uma capacidade constante de colocar-se sob a luz de Deus e deixar-se ‘perscrutar’ por Ele na nossa esfera íntima… Um exame de consciência que se reduz só à preparação da confissão consegue identificar alguns pecados, mas não leva a uma relação autêntica, a um face a face com Cristo. Tornase facilmente uma lista de imperfeições, confessadas para sentir-se melhor, sem aquela atitude de real arrependimento que nos permite experimentar a alegria de ter em Jesus ‘um tão grande Redentor’.”
A consciência moral é um dom de Deus feito a cada homem. Faz parte da estrutura da sua humanidade e inscreve-se no fundo do coração de cada um como uma lei, que convida a amar e a escolher o bem e a recusar o mal. Não pode bastarse a si mesma e deve ser iluminada pela Palavra de Deus, a Tradição e o Magistério.
“Sabemos que a Lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido como escravo ao pecado. Realmente, eu não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto. Ora, se faço o que não quero, reconheço que a Lei é boa. Na realidade, não sou mais eu que pratico a ação, mas o pecado que habita em mim. Eu sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha carne. Pois o querer o bem está ao meu alcance, não porém o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero.” (Rm 7, 14-19)
O Concílio Vaticano II, específica, através do Decreto Gaudium et Spes a beleza e o papel da consciência cristã (GS nº 16):
1. “No fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o está a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus; a sua dignidade está em obedecer-Lhe, e por ela é que será julgado (cf. Rm 2,14-16)”. (GS nº 16)
O que diz este documento é que cada um deve obedecer a uma lei interior que requer que realizemos o bem e evitemos o mal. Esta lei está inscrita no coração da consciência de todo o ser humano. Esta lei inscrita no fundo dos corações não diz qual é o bem a fazer e qual é o mal a não fazer, mas convida a escolher o bem. O amor ao bem não é opcional, é constitutivo da nossa humanidade. É preciso perguntar-se quem me esclarece sobre esse bem que eu preciso amar e esse mal que eu devo evitar?
S. Paulo explica que a função da Lei é mostrar à nossa consciência, o bem que ela deve escolher… Em seguida, ele acrescenta que, para ter a força de cumprir esse bem, precisamos de um socorro particular do Espírito Santo:
“O Espírito socorre a nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir como convém: mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis, e aquele que perscruta os corações sabe qual o desejo do Espírito; pois é segundo Deus que Ele intercede pelos santos.” (Rm 8,26-27)
O nosso dever, diz o Concílio, é obedecer àquilo que a consciência acredita ser bem e evitar aquilo que crê ser mal.
2. “A consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir.” (GS nº 16)
Este parágrafo deixa entender que, em última análise, ninguém pode dizer se alguém desobedeceu à sua consciência ou se ele a seguiu fielmente. Só a própria pessoa pode avaliar ter ido – ou não – até ao fundo da sua consciência.
Se o Concílio reconhece à consciência, o estatuto de “santuário” e de “inviolabilidade” por um ato exterior, o documento não pretende, no entanto, que ela seja, por si mesma, onipotente e autossuficiente.
Ao contrário, o documento percebe como um dever da consciência o confiar-se a sós com Deus, tornando-se permeável a tudo o que pode contribuir para discerni
r, escolher o bem e evitar o mal.
“Com efeito, não recebestes um espírito de escravos, para cair no temor, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abba! Pai! O próprio espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus.” (Rm 8,15-16)
3. “Revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor de Deus e do próximo (cf. Mt 22,37-40; Gl 5,14)”. (GS nº 16)
Isso mostra até que ponto a nossa consciência deve permanecer acolhedora e em busca do bem a seguir. Diz respeito à dimensão espiritual do nosso ser criado. A experiência de uma consciência que busca retamente a verdade revelada, da realização de si mesmo, de unificação interior.
4. “Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos demais homens, no dever de buscar a verdade e de nela resolver tantos problemas morais que surgem na vida individual e social. Quanto mais, portanto, prevalecer a reta consciência, tanto mais as pessoas e os grupos estarão longe da arbitrariedade cega e procurarão conformar-se com as normas objetivas da moralidade.” (GS nº 16)
Esse conhecimento é-nos transmitido, também, por mediações humanas e espirituais: família, sociedade, Igreja.
Mas, infelizmente, pode acontecer que, nas suas imperfeições, nos seus limites, nos seus pecados, por vezes, algumas pessoas tenham-nos apresentado como um bem, realidades que se revelam objetivamente um mal (por exemplo: o roubo… a mentira… os abusos…).
Para uma criança mal-formada, tal realidade objetivamente má, pode ser, infelizmente, interpretada subjetivamente para ela como um bem, através da sua consciência distorcida.
O número 4 apresenta o que pode ser uma consciência reta. Não se pode contentar com um simples retorno sobre si mesmo mas deve abrir-se a tudo aquilo que pode ajustar a sua busca de unidade interior: o conhecimento do verdadeiro bem.
Isso supõe uma escuta dos outros que buscam, também a mesma finalidade. Esse gosto pelo bem é a marca de Deus que nos fez à Sua imagem. Quanto mais escuto essa consciência, mais me aproximo do verdadeiro bem que é Deus e mais me conformo às normas objetivas da moralidade e da Sua vontade. Ter uma consciência reta, é ser reto com a sua própria consciência.
5. “Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade.” (GS nº 16)
Os números 5 e 6 apresentam-nos dois tipos de consciência errônea. Só uma é digna: aquele que erra como consequência de uma ignorância invencível.
A ignorância invencível é a de uma pessoa que, tendo feito tudo o que estava ao seu alcance para procurar a verdade (oração, leituras, acompanhamentos…), não chegou a compreender o porquê de tal atitude moral proposta pela Igreja.
Deve guardar a sua consciência “em alerta” ou em espera, para aproveitar o momento onde uma percepção mais clara estará ao seu alcance. Aguardando, é da ordem do dever de cada um, obedecer à sua consciência. Quer do lado do acompanhador, quer da parte daquele que é acompanhado.
6. “Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado.” (GS nº 16)
O número 6 evoca também a realidade da ignorância, mas trata-se de uma ignorância fruto de uma consciência obscurecida “quase cega”. Não foram realizados os esforços possíveis. A pessoa fechou-se num certo número de certezas mais ou menos confortáveis. A situação é particularmente crítica. O Catecismo da Igreja Católica não hesita, então, em afirmar que “a ignorância simulada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam, o carácter voluntário do pecado.” (CIC nº 1859)
“Quanto mais o sangue de Cristo que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha, há de purificar a nossa consciência das obras mortas para que prestemos culto ao Deus vivo.” (Hb 9, 14)
“Hoje, quando falamos de exclusão, imediatamente vêm à mente pessoas concretas; não coisas inúteis, mas pessoas preciosas. A pessoa humana, colocada por Deus no cume da criação, muitas vezes é descartada, porque se prefere as coisas que passam. Isto é inaceitável, porque o ser humano é o bem mais precioso aos olhos de Deus. E é grave que nos habituemos a este descarte; é preciso preocupar-se quando se anestesia a consciência, já não fazendo caso do irmão que sofre ao nosso lado nem dos problemas sérios do mundo, que se reduzem a um refrão já ouvido nos sumários dos telejornais.” (Papa Francisco, homilia em Roma, Domingo 13 de novembro de 2016)
Que o Espírito de Pentecostes penetre em todos os recantos da nossa alma, para iluminar as escolhas que temos que fazer e que Ele nos conceda a força para avançar com nossos irmãos, numa consciência reta e purificada!