por Diácono Georges Bonneval
A Ressurreição é uma das primeiras profissões de fé cristã. O Apóstolo Paulo confirma declarando: “Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a vossa fé” (1 Cor 15,14).
É pelas Escrituras que este testemunho chega até nós e é também pelo testemunho pessoal de fé que Cristo realizou, pela Sua Morte e pela Sua Ressurreição, a obra de Redenção e de Transformação para todos os homens.
O Apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios, cerca de 56 ou 57 d.C., oferece o testemunho escrito mais antigo, atestando a Morte e a Ressurreição de Cristo. A sua carta é ainda mais importante porque contém o núcleo da fé pré-paulina e litúrgica das primeiras comunidades:
“Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.” (1 Cor 15,3-4)
“Segundo as Escrituras”… Quais as referências a que o Apóstolo faz alusão, usando duas vezes essa menção? Ele não inventou essa formulação. Certamente, que a sua utilização durante as liturgias e nos credos recitados pelas primeiras comunidades cristãs, a precedia.
A referência bíblica do “terceiro dia” aparece sempre num contexto que sublinha o cumprimento histórico das profecias.
Não esqueçamos que Paulo escreve e narra segundo o modo dos rabinos. É por isso que seria fraco traduzir a expressão por “no dia seguinte”, tradução que viria a empobrecer todo o significado bíblico.
Sendo assim, podemos ler e meditar diversas passagens da Escritura, em figuras antecipadoras, em relação – mais ou menos direta – com o acontecimento da morte expiatória de Cristo e da Sua Ressurreição (Gn 22,4; Gn 42,17: 2Rs 20,1-11; Jn 2 – Jonas libertado das entranhas da baleia; e, sobretudo, Os 6,2). Neste contexto preciso, o autor bíblico assinala a passagem da morte para a vida. O período de “três dias” é também identificado como um tempo simbólico – de vida ou de morte – na sabedoria dos antigos “Deus nunca abandona a sorte do justo por mais tempo do que por três dias”, segundo um midrash judaico comentando Gênesis.
Mas, com a Ressurreição de Cristo, acrescenta-se o significado teológico do Vinda Messiânica. Cristo é o Messias prometido e anunciado em todas as Escrituras. De fato, ele operou, pela Sua morte e ressurreição, uma “síntese” genial entre o Servo sofredor de Isaías 53 e o Filho do homem glorioso de Daniel 7 !
Nesse sentido, “o terceiro dia” da Ressurreição de Cristo assume um significado de excelência “o terceiro dia que coroa todos os terceiros dias imperfeitos!”. É o oitavo dia, o da Recriação e da Salvação definitiva realizada em Cristo, que se tornou para os cristãos, o primeiro dia da semana!
Assim, desde o século IV, proclamamos com o Credo de Niceia-Constantinopla: “Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai”.
O testemunho pessoal da fé… A nossa pequena fé pessoal, quando é posta em contacto com a Palavra de Deus, é como uma semente que começa a abrir-se e a germinar, até tornar-se um rebento ou uma planta… Este contato com as Escrituras é necessário no encontro pessoal com o Senhor Vivo. “Jesus é o Senhor!” É o centro do Kerygma tão fundamental em todas as missões de evangelização.
Depois, um dia chega, para cada um, como o caminho de Damasco para Saulo de Tarso. Cristo Vivo revela-Se e torna-Se para sempre uma presença fundadora! Com efeito, a forma como Paulo encontrou Cristo, tornou-se a forma como nós O podemos encontrar, pois de agora em diante é “segundo o Espírito” que Ele se deixa encontrar, experiência nova e diferente da anterior, que era “segundo a carne”.
E se, mesmo entre os primeiros discípulos, muitos foram “lentos de coração para crer”, como Jesus os repreendeu (cf. Lc 24,25), não devemos desanimar se esse encontro parece atrasar para alguns. Ver o Ressuscitado, de maneira física e histórica, isso, foi dado somente a alguns, mas fazer hoje o encontro pessoal com Jesus Vivo, a história não o pode dar, porque é somente a fé que pode realizá-lo. E esse encontro é possível para toda e qualquer pessoa!
S. Paulo explicita ainda, na mesma Carta aos Coríntios, que este encontro só é possível com a ajuda do Espírito Santo: “Ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo” (1 Cor 12,3). O Espírito é como Aquele que acende a centelha da fé do coração e produz o contato, por vezes explosivo: o encontro real com o Senhor Vivo!
É tão simples “provocar” este encontro! Nosso Senhor não nos pede grandes coisa a cumprir: “Porque, se confessares com tua boca que Jesus é o Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Pois quem crê de coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.” (Rm 10,9-10).
O Pe. Cantalamessa afirma que “a proclamação de Jesus Senhor é a porta que introduz ao conhecimento de Cristo ressuscitado e vivo!” (Pregação da Quaresma, Roma, 10 de março de 2017) Cada um, naturalmente, pode dizer essas palavras com os lábios, mesmo sem o Espírito Santo, mas isso não produzirá este grande encontro do qual falamos; sem o Espírito Santo, a pessoa não se tornará uma pessoa “salva”.
O Ressuscitado vem, então, pelo Espírito Santo, como do Alto e para além de si mesmo. Então, opera-se um recomeço radical, através desse aparecimento. Uma verdadeira recriação é feita pelo sopro da Sua boca. O ser antigo passou, um novo ser apareceu.
A vida sob o Senhorio de Cristo é um mundo novo no qual entramos sob a ação do Espírito Santo. E esse dom, recebido no coração do homem pela fé, ninguém poderá tirá-lo.
O crente reconhece-se, daí em diante, e oferece-se a Deus como um vivo provindo da morte (cf. Rm 6,4-13). A sua nova vida está “escondida com Cristo em Deus!” (Cl 3,3).
Da mesma forma que as aparições de Cristo ressuscitado foram feitas aos primeiros discípulos, também Cristo glorificado continua a revelar-Se e a deixar-Se encontrar por todos aqueles que creem no Seu nome através da iluminação do coração (cf. Ef 2,18-21).
Mas é sempre o mesmo encontro. Não é mais um Cristo “personagem histórica” nem, em rigor, “um dos profetas”, mas o Cristo “Pessoa”; Não se trata mais de um conjunto de doutrinas ou de dogmas, não é mais somente objeto de culto e de memória, mas a Pessoa Divina, Viva e sempre presente através do Seu Espírito.
“Já não é por causa de teus dizeres que cremos. Nós próprios o ouvimos, e sabemos que esse é verdadeiramente o salvador do mundo.” (Jo 4,42)
“Por certo, foi crucificado em fraqueza, mas está vivo pelo poder de Deus.” (2 Cor 13,4)
“Ao vê-lo, caí como morto a seus pés. Ele, porém, colocou a mão direita sobre mim, assegurando: ‘Não temas! Eu sou o Primei
ro e o Último, o Vivente; estive morto, mas eis que Estou vivo, pelos séculos dos séculos’.” (Ap 1,17-18)
“Convido todo cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procurá-Lo, diariamente, sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito.” (Exortação Apostólica do Papa Francisco Evangelii Gaudium, n°3)
Que Cristo, nesta Páscoa de 2018, vos ilumine e vos transforme pela chama viva da Sua Ressurreição, através do contato com as Sagradas Escrituras e a fé, em cada um dos vossos corações!
Santa Festa da Páscoa!